25 de maio de 2008

Morremos e ressuscitamos todos os anos

Dia de África. Tanta coisa para dizer de África, de nós africanos...
Fica apenas um poema, Flagelados do Vento Leste, de Ovídio Martins, marcou-me ainda criança. Este poema nosso, cabo-verdiano, africano, que elogia a coragem dum povo pode também, julgo eu, homenagear a coragem do povo africano.

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente para nós
Somos os flagelados do Vento-Leste!
O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos
Somos os flagelados do Vento-Leste!
Morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que nos impedem a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!...)
Somos os flagelados do Vento-Leste!
Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre escutado
São apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue
as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais
Nós somos os flagelados do Vento-Leste!

Flagelados do Vento Leste de Ovídio Martins via Con(ou sem)tigo

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