9 de junho de 2008

Idiossincrasia??

Acho graça à patologia autodepreciativa em que nos comprazemos! A nossa opinião sobre o estado do país é quase sempre pior do que os factos. Deve fazer parte do carácter nacional. Se calhar é uma idiossincrasia. E inclui muitos casos de disparidade entre a realidade e a sua percepção.
Por exemplo, diz-se por aí que o país está pior, ora, entre 1999 e 2007 (poderíamos fazer um exercício melhor, de 1975 a 2007, pois há quem ignore que este país nasceu de cofres vazios) é inegável o desenvolvimento de Cabo Verde – No Relatório de Desenvolvimento Humano em 1999 o indicador de Cabo Verde era 0.677, em 2005 atingimos 0,721 [o país da África Negra com resultado + elevado] e em 2007/2008 o indicador é 0,736, quem quiser confirmar basta ir à fonte - mas ignorando os critérios internacionais basta uma boa olhadela ao país:
Há 30 anos a mortalidade infantil era de 108 crianças por cada mil, actualmente estamos abaixo dos 30. Comparando: em Angola, que assim como Cabo Verde é uma antiga colónia portuguesa, um quarto das crianças morrem antes de completarem cinco anos - um número oito vezes superior a Cabo Verde. E isto tendo Angola o mesmo rendimento per capita que Cabo Verde que não tem o petróleo, os diamantes. A esperança de vida de 70 anos é impressionante comparando com a do nosso vizinho Senegal no qual a média da esperança de vida é de 61 anos e de Angola e Moçambique em que ronda os 41 anos.
Um outro exemplo tem a ver com a corrupção. Quer-se fazer passar à força a ideia de que a corrupção é omnipresente e está em crescimento. Contudo, os dados não confirmam o cenário, e observadores internacionais qualificados, como a Transparency Internacional, colocam Cabo Verde em 49º lugar nos países menos corruptos a nível mundial num estudo que abrange 179 países. Sem dúvida que neste indicador como em outros temos de continuar a melhorar - foi aliás a primeira vez e só isso já é positivo que o nosso país foi observado pela TI - mas não somos nem de perto nem de longe um país de corruptos.
Também aqui basta uma olhadela mais atenta ao país: titulares de cargos políticos ou públicos que enriqueceram subitamente, que passaram a proprietários de empresas em sectores chave, não passam despercebidos num país pequeno. Se os há nós sabemos quem são, ou não?
Podem existir factores psicológicos (se calhar até genéticos pois esta é uma tendência profundamente portuguesa) que justificam esta mania nacional, mas entre essas justificações encontro a própria comunicação social, que sistematicamente destaca os traços mais sombrios da realidade social, desprezando ou desvalorizando os aspectos positivos. Existe um populismo noticioso que sublinha a grosso os aspectos negativos e omite ou deprecia as notícias positivas.
Só as más notícias são notícias, mesmo quando não são verdadeiras. É notícia o crime, não a captura do criminoso; a subida da inflação, não a sua descida; a subida do desemprego, não o seu decréscimo. Exemplos? O mais recente: Anuncia-se em grandes parangonas a taxa de manutenção rodoviária, mas provavelmente nunca houve nem haverá notícias a sublinhar a importância do investimento feito (e a fazer) nas estradas e a necessidade da sua manutenção. Não me recordo de ter lido nos jornais que a mobilidade de pessoas e bens é um factor importantíssimo para o aumento da empregabilidade neste país.
Houve na blogolândia quem concluísse que as famílias pobres são as que mais sofrem com a TSMR, uma taxa que tem como pressuposto o princípio do utilizador pagador: quanto mais abasteces_mais circulas_mais usas_mais pagas! Ficámos pois a saber que uma família pobre ou remediada, sem automóvel, pode ser mais afectada pela subida dos combustíveis do que uma família com rendimentos médios ou altos que possui dois carros em utilização corrente... Há coisas improváveis, não há!? Não é inocente a pressão da Moura Company – ela sabe que não pode, por o sector ser regulado, repercutir pelo menos imediatamente a taxa no seu utente…
Ao tratamento noticioso acresce o comentarismo nacional – incluo aqui os blogs - onde realça um estilo habitualmente apostado em negar qualquer progresso do país. Qualquer acontecimento mais grave é transformado numa demonstração inequívoca da incapacidade governativa. Qualquer acontecimento positivo e assobiam para o ar ignorando propositadamente...
As reformas e a modernização são encaradas com dúvida ou displicência: uns teimam em negar a existência de qualquer verdadeira reforma, outros apressam-se a apoiar todas as resistências às mesmas, por mais corporativas ou injustificadas que sejam.
Na verdade, toda a firmeza na condução de reformas modernizadoras corre o risco de ser apelidada de autoritarismo ou, mesmo, como é hábito de totalitarismo de partido único, apesar de mais de metade da nossa história se ter passado em regime democrático.
Claro que que a vulnerabilidade da opinião pública ao enviesamento informativo e opinativo é tanto maior quanto menor for o nível de educação e de autonomia crítica na sociedade. Manifestamente, ainda estamos mal colocados em ambos esses critérios!
Mas esta é só a minha opinião! E não se destina a fazer opinião... porque lá diz o ditado "a cada cabeça a sua sentença".

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